Impressionante como me meto em barcas furadas no quesito viagem.
E o pior, adoro viajar, acho muito interessante conhecermos lugares diferentes, pessoas novas, mesmo isso não sendo tão corriqueiro em minha vida, por diversos motivos, pesando aí o financeiro.
Neste São João, deixei minha tradicional foqueira com bandeirolas e todas as versões de milho, assado, cozido, in natura, na canjica, pamonha, no mungunzá, em Feira de Santana e desci rumo a Aracajú, minha terra natal com dois propósitos, acertar uns perrengues de família e me divertir, claro!
Minha mãe sofre de síndrome do pânico aplicada a filhos únicos e terminou por me convencer a ir de ônibus utilizando todos os argumentos de segurança reais e imaginados. Para evitar atritos, afinal, dirijo a 10 anos e ela acredita que sou o ser humano mais barbeiro e inconsequente da face da terra acatei a ordem, ops, sugestão e comprei a passagem.
Como resolvi isso muito em cima da hora, uma semana antes em se tratando de São João é, sem dúvidas, comprar de véspera, só encontrei ônibus extra, convencional, para o sábado, 08h00, na última poltrona. Além do cheirinho agradável de banheiro por 5 horas consecutivas, já certo diante da única poltrona disponível e ainda na eminência do carro não ter ar-condicionado o que me faria chegar ensopada de suor ao meu destino final resolvi ligar e me certificar.
"Bomfim bom dia! Em que posso lhe ajudar?"
"Então moça (Esse "então" meio paulista era para dar um "clima turistal" a ligação), eu preciso saber qual é o ônibus que vocês utilizarão no horário extra do sábado 20/06 às 8 da matina..."
"O ônibus possui somente um andar, relativamente novo e COM AR-CONDICIONADO."
"Tem certeza não é?! Posso comprar pela internet tranquilo?"
"Pode sim senhora."
"Ok então, vou finalizar o processo aqui. Obrigada"
"A Bomfim agradeçe seu contato, tenha um bom dia."
Dia 20/06 acordei 05h00 da manhã, extremanente receosa das condições da rodoviária haja vista experiências desastrosas anteriores.
Ai de mim que não tivesse acordado cedo!
Tinha tantas filas dentro da rodoviária de Salvador que você não conseguia definir quem ainda estava comprando passagem, quem estava na fila do embarque, do desembarque, enfim, era uma verdadeira Praça Castro Alves em dia de Chiclete com Banana, o caos instalado. Depois de empurrar uns jovens aqui, uns corôas alí, desviar por trás de um ônibus estacionado correndo o risco de ser atropelada pela ré do bicho, consegui chegar ao meu ponto. O carro estava atrasado alguns míseros minutinhos o que levou a administração da Bomfim a antecipar o carro de 08h15 para pegar os ociosos passageiros das 08h00.
Resultado óbvio, ônibus da década de 80, ainda forrado com courino marrom, amortecedores "pogobol", cortinas vermelhas e SEM AR-CONDICIONADO. Parecia saído de algum causo nordestino, quase a marinete da novela global Tieta do Agreste.
Sentei triste no meu assento. De um lado, a porta do banheiro já fétido, misto de desinfetante caseiro com anos crônicos de uso, do outro lado (sim, eu não consegui comprar janela) um jovem, calça destonada, camisa cheia de paetês, estilo Colcci para pobres, sapatenis três cores e um boné da Liga Americana de Basquete, falsificado, claro!
Desejei bom dia ao dito e me aconcheguei nos braços da minha tão sonhada poltrona.
De repente, o carinha se reporta a mim:
"Você tá indo pela primeira vez a Aracajú?"
"Não."
"Você é de lá?"
"Sim."
"Então tá indo passar o São João com a família."
"Exato."
"Ah, eu sou de lá mas estou morando aqui a alguns meses, estou trabalhando, estudando, ..."
Creio que ele ficou alguns minutos falando sozinho. Estava puta demais da vida para bater papo com um desconhecido. A rodoviária um caos, minha mala, esqueci de citar, sem rodinhas, parecia que tinha um elefante bem pesado dentro, o carro velho e sem ar-condicionado e ele ainda puxando papinho do tipo, nãovaitelevaralugarnenhum?
Desistiu. E resolveu chamar minha atenção de outra forma. Sacou de sua mochila hi-tech uma máquina fotográfica e resolveu visualizar um power-point com fotos de casal, sem dúvidas dele e da namorada ao som de "More than Words" do Extreme.
Ele realmente precisava de mais do que palavras para chamar minha atenção... Quase cortei meus pulsos diante de tamanha emoção.
Assim seguimos viagem, minha cabeça batendo no teto do ônibus muitas vezes, meu vizinho de poltrona com as pernas abertas me esmagando no lado oposto, assistindo em seu "i-pod" genérico vários clipes de "black music" com aquelas mulheres peitudas e gostosas alisando os cantores, a porta do banheiro, em cada visita, batendo no meu joelho direito...
A uma hora de Aracajú e eu já feliz por ter vencido 3/4 daquela via crucis o pneu traseiro resolve estourar. O barulho foi tão assustador que cheguei a pensar que o ônibus estava se desmanchando. Paramos no acostamento e diante do diagnóstico do motorista sobre a impossiblidade de seguirmos viagem meu vizinho, sim, ele mais uma vez, solta a seguinte musiquinha de seu sonoro celular:
"Balacubaco, mexer o balacubaco.
Balacubaco, mexer o balacubaco."
Título: Balacubaco
Banda: Parangolé
Composição: Indisponível
Com certeza nesse momento lancei-lhe um olhar fulminante, quase derretedor de celulares. Ele se tocou, desligou o aparelhinho e descemos todos para a beira da estrada, sem sinal algum de celular ou vida para assistir ao motorista de macacão de mecânico (não sei de onde ele tirou a indumentária) laranja habilitando-se a trocar o pneu danificado. Algo como trocar o pneu do meu Ford Ka, facinho, facinho!
Ainda sendo pouco, São Pedro lança uma tromba d´água exatos 10 minutos após o ocorrido levando todos os passageiros para dentro do carro as pressas. Mais fácil ainda para o "super mega blaster" motorista trocar o pneu do ônibus.
Claro que ele desistiu dessa idéia nefasta e através de algum Vivo vivo de alguém, ligou para o socorro da empresa que prometeu enviar um carro de Aracajú para efetuar o resgate.
20 minutos passados, nada do carro de Aracajú, encosta o ônibus das 08h15 e leva 11 passageiros somente com bagagem de mão. Mais 20 minutos depois e nada ainda do socorro chegar, pára outro carro, dessa vez com 17 poltronas livres e novamente disposto a levar passageiros mas somente com bagagem de mão. Bradei, claro e o intimidado motorista aceitou me levar na seguinte condição, minha mala pesada sem rodinhas sairia sim do bagageiro do carro com pneu furado mas teria que ir na parte de cima, como uma bagagem de mão. 13h00, fome, chuva, suor, claro que topei o desafio, quase coloquei meus bofes para fora ao subir com minha mala no ônibus mas consegui seguir viagem rumo a "capital do forró".
Ah! meu vizinho e sua mochila hi-tech foram no primeiro ônibus que passou.
Finalmente em meu destino, desci do ônibus apressada e já fui ao segundo andar da rodoviária garantir um bilhete de volta a Salvador no Gold, aquele ônibus chic com ar-condicionado, dois andares, água mineral, cafezinho... Nada me faria retornar em outro convencional.
Na fila a constatação. Meu celular i-phone, presente da Tim por fiel fidelização em mais de 6 anos (e por continhas um pouco por demais altas em alguns muitos meses desses 6 anos) tinha ficado no carro. Nunca desci escadas tão rápido em minha vida, a mala pesada sem rodinhas pouco me importava naquele momento, ficou na fila, em meu lugar. Imagina se eu perco esse celular? Meu próximo, na minha conjuntura econômica atual, seria sem dúvidas um reabilitado Star-Tech década de 90 da Motorola.
Os três degraus do ônibus viraram um só e adivinha, na minha ansia de recuperar o afamado celular despenquei que nem jaca mole, de ladinho, feri meu joelho e causei um roxo enorme em meu braço, achei até mesmo que tivesse fraturado tamanha a dor. Azul de vergonha e amparada pelo motorista, cobrador, etc, consegui me reestabelecer, peguei o aparelho e fui manca e maneta atrás do meu tio que prometera uma carona até o hotel onde eu enfim, repousaria.
Acham mesmo que terminou por aí?
No retorno a Salvador, vitoriosa, subi os degraus do Gold como quem sobe rumo ao primeiro lugar do pódio, calmamente, sem afobação, sentei e quem estava na poltrona da frente?
O vizinho balacubaco.
"Oi, tudo bem?"
"Ehh, oi!"
"Que coincidência não é?"
"Pois é!"
Pelo menos ele estava na poltrona da frente. Imediatamente coloquei-me a dormir sem dar chances a maiores diálogos. Alguns barulhos estranhos depois, que no meu superficial sono achava se tratar de algum sonho senti o carro encostar. Neste momento o ar-condicionado gelou mais do que o normal. Eu já sabia que dalí viria bomba e não era de São João.
Minutos ansiosos depois sobe a comissaria de bordo e avisa que o motorista tinha detectado um problema na bomba de ar (?) mas que isso não nos impediria de seguir viagem. Dos males, o menor, avante Salvador!
Na entrada de Guarajuba, praia do litoral norte baiano e a uma hora da capital da Bahia, a polícia pára o ônibus. Estava acordada e estranhei de imediato tal abordagem, pouco comum em ônibus daquele porte.
Novamente entra em cena a comissaria de bordo dessa vez transmitindo uma notícia que eu não desejava ter ouvido. O policial não deixaria que seguíssemos viagem por causa da bomba de ar (?) danificada.
Começei a rir.
Na minha cabeça o pé frio só podia ser do vizinho balacubaco. Claro, ele estava no mesmo ônibus, tanto na ida quanto na volta e como isso nunca acontece comigo... Imagina?!, nem um pouquinho mesmo! (Aguardem breves posts de antigas viagens)
Resolvemos descer e novamente me deparo com o motorista e sua indumentária de mecânico amador já no corpo. Dessa vez azul, diga-se. É quase a roupa do Super-Homem que fica por baixo do terno de Clarck Kent. Só faltava mesmo a beleza do jornalista e a eficiência do super-herói.
Mas meu maior susto mesmo foi ver o ônibus inclinado em mais de 45 graus para a esquerda. Foi isso que fez o policial parar o carro e não permitir que seguissemos rumo a Salvador, ou seja, corri sérios riscos de tombar em plena Linha Verde. Ia ser um excelente final de viagem e feriado!
Novamente teríamos que esperar um ônibus de Salvador para efetuar o resgate não fosse o policial determinar, diante da proximidade do final de seu plantão, que um carro CONVENCIONAL que estava rumo a Aracajú retornasse e nos acolhesse.
Bomfim nunca mais, Aracajú agora só de carro ou de avião!
E viva São João!!